foto-album-familia-carlos-alberto
Araruama/RJ. Carlos Alberto nos deixou ano passado e resolvemos republicar esta matéria assinada pelo jornalista IATA ANDERSON, conhecido como o Amigo do Rei, realizada um ano antes da Copa do Mundo, no Brasil. Carlos Alberto era uma pessoa querida pelos torcedores do Flamengo e aqueles que conviveram com ele. Inutilizado para a prática do futebol, Carlinhos se estabeleceu em Araruama com seu comercio até os últimos dias de vida. Apreciem a entrevista:
Quando encontrava com amigos o que não faltava era resenha sobre o futebol
Carlos Alberto Cesário Lima, Carlinhos, nasceu no dia da queda da Bastilha – 14 de julho – de 1942, filho do casal Eduardo e Antonieta. Moravam próximo a residência do presidente da República no Catete, onde nasceu. A família mudou-se para Botafogo, Rua São João Batista. Em 1955 a transferência para Niterói e na praia de Icaraí e Cantinho do Ouro, o garoto de 10 anos se apresentava fazendo "embaixadinhas", anunciado pelo pai como capaz de "fazer quinhentas". Era atração, na verdade fazia pouco mais de duzentas, o que não era pouco.
A prioridade eram os estudos, onde o menino não se desenvolvia na mesma intensidade com que se apresentava de chuteiras. A bola ganhava dos livros e isso, para o pai, não era bom. Carlos Alberto foi matriculado no Ginásio Sul-Fluminense, em regime de internato em 1959/60. Ali começou a usar chuteiras, depois do sucesso nas areias da então capital do antigo Estado da Guanabara. De tanto ouvir histórias do filho, o pai Eduardo resolveu levá-lo ao Flamengo, para testes. Dois treinos observados pelo consagrado técnico Fleitas Solich resultaram numa grande bronca pelo pouco tempo em que o garoto foi testado.
IATA - Você lembra do seu teste no Flamengo?
- Lembro muito bem, como esquecer aquele dia? Foi um coletivo contra os titulares, que jogariam domingo. Na sexta o time era definido. Entrei no segundo tempo, pela meia-direita, enfrentando Carlinhos e Nelsinho, Dida, Joel, Moacir, só feras, que foram titulares por muitos anos. Arrebentei com o treino. Estava soltinho, tranqüilo, parecia que conhecia todo mundo, bem à vontade mesmo. Depois do treino Solich procurou meu pai, que era meu "empresário" para acertar um contrato de três meses. Com apenas um treino a valer assinei com o Flamengo como experiência, o que eles chamavam "contrato de gaveta".
IATA - Como aconteceu sua escalação no time principal?
- Eu fazia parte do grupo, treinava, fazia amistosos, jogava no Aspirante, esperando a chance, quando fui chamado para substituir o Adilson, que veio do Corinthians, numa excursão na Europa. O time estava na Suécia e viajei sozinho, um medo danado de me perder, eu tinha 17 pra 18 anos, minha primeira viagem de avião. No dia seguinte entrei em campo no lugar de Nelsinho, machucado, contra o AIK. No vestiário o Dida veio falar comigo, deu a maior força, me ajudou muito. Ganhamos de 5 x 0 ou 5x2, não lembro, mas fiz dois gols. Depois continuei jogando, na Rússia, Checoslováquia, uns quinze jogos, mais de um mês, fiz outros gols, mas não lembro.
NOTA: Carlos Alberto estreou em 15-05-62, contra o AIK, estádio Rasunda, vitória por 3x l, gols de Carlos Alberto, Henrique e Dida. Time: Ari, Jouber, Decio Crespo, Jadir e Jordan; Vanderlei e Carlos Alberto; Joel, Henrique, Dida e Miranda. O Flamengo fez 22 jogos, de 04-4 a 30-6-62, na Suécia (4), URSS (4), Tchecoslovaquia e Italia (3), Espanha, Tunisia e Gana (1), Noruega e Finlandia. Jogou seis partidas e marcou dois gols. Fla venceu 11 jogos, perdeu 10 e empatou 1.
IATA - Na volta foi para reserva mesmo assim?
- Isso era julho de 1961, começou o campeonato carioca, que não permitia substituição. Quem não era titular jogava no Aspirante, que fazia preliminar. Pegava sol de 13 horas e tinha que matar um leão por dia esperando a chance. Jogava com Marco Aurélio, goleiro, Paulo Henrique, que seria capitão por mais de dez anos, Luis Carlos, Foguete, que veio da Portuguesa, Fraga, na ponta esquerda, Silas. Era um grupo bom, fazíamos parte do elenco. Jogava, excursionava, esperando uma vaga.
Carlinhos concedendo entrevista ao jornalista Iata Anderson
IATA - Que vaga demorada!
- Não era fácil. Eu treinava bem na meia e na ponta, mas os titulares eram Nelsinho, dono da 8, e Espanhol, pela ponta, jogando uma barbaridade. Tive, como os outros, que esperar muito tempo. Quem jogava ia ficando, ninguém era sacado, cada posição tinha um dono, nenhum jogador era vendido, as vagas eram muito raras, a gente só entrava se o titular se contundisse. Foi assim durante todo o ano de 1962. Jogava nos Aspirantes, excursionava, mas não fiz um jogo sequer no time titular. Passei a jogar pela ponta porque havia um boato que o Espanhol seria vendido. Eu ia jogar a decisão de 1963, contra o Fluminense, no lugar do Nelsinho, que estava machucado. Fiz o coletivo na quarta e na sexta, mas no dia do jogo o titular estava recuperado e jogou. Fomos campeões com o 0x0 e o destaque foi o nosso goleiro Marcial.
IATA - Finalmente a esperada chance!
- Foi em 1964, quando o Espanhol foi vendido, o que era mais ou menos previsto, havia boato, como falei antes. Eu já havia me fixado como ponta direita e estava muito bem, em grande fase. Solich havia saído e quem me lançou como titular foi Flavio Costa. Ele contava que durante um torneio na Espanha, contra o Nacional, do Uruguai, os observadores foram conhecer melhor o Espanhol, que jogou o primeiro tempo eu entrei no intervalo e acabei com o jogo e os caras pensaram que eu era o Espanhol, que foi comprado errado. Mas não foi bem assim. Ele jogava muito, foi comprado por suas qualidades, um baita jogador. Fez muito sucesso por lá. Isso fica por conta do folclore do futebol, que é muito rico, ahahah.
NOTA: Primeiro jogo oficial, vitória sobre a Portuguesa por 2x1, dia 19-7-64, gols de Carlos Alberto e Nelson, na Laranjeiras, Campeonato Carioca. Time: Marcial, Murilo, Ditão, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Carlos Alberto, Airton, Nelson e Paulo Alves. Árbitro: Amilcar Ferreira.
IATA - Espanhol foi cotado para seleção brasileira
- Ele ficou por lá, mora até hoje na Espanha onde fez muito sucesso. Foi um grande jogador. Vi um jogo dele contra o Vasco, pelo Aspirante, que eu nunca vi um jogador jogar tanto. Ele deu um baile num lateral chamado "Pau" Pereira, que batia muito, um negrão forte, que jogou no lugar do Barbosinha. Joguei algumas partidas contra ele, dava medo. Mas nesse dia o Espanhol acabou com ele. O Flamengo venceu por 5x4, um grande jogo.
IATA - Com a venda do Espanhol você ganhou a vaga?
- Ele foi vendido em 1964 e fui lançado pelo Flavio Costa como titular. A estréia foi contra a Portuguesa, no campo do Fluminense, vencemos por 2x0 e fiz o primeiro gol. Naquela época o campeonato era por pontos corridos e o Flamengo estava uns quatro ou cinco pontos do segundo colocado quando sofri uma lesão muito séria, num Fla x Flu. Fui no fundo para cruzar uma bola e fui acertado numa dividida com Altair e Procópio, juntos. Não sei quem me acertou ou se pisei num buraco, mas ali começava meu drama, uma fratura de maléolo que me tirou de ação por muito tempo.
IATA - Uma lesão que a recuperação nos dias atuais seria rápida?
- Sim, claro, hoje os caras quebram a perna e uma semana depois estão jogando, houve uma evolução muito grande nessa área. Acabei ficando muito tempo fora, só treinando e fazendo tratamento, nada de jogo. Eu ia voltar contra o Botafogo, já nos jogos finais, com a promoção do jogo em cima de mim e do Garrincha, duelo dos pontas, aquelas coisas que os jornais faziam para chamar o torcedor. Fiquei fora e o Botafogo ganhou de 1x0, gol de Roberto Miranda, de cabeça, na despedida de Nilton Santos. Bastava o empate para o Flamengo ser o campeão. Ficaram para a final Fluminense, que acabou campeão, e Bangu.
IATA - Quanto tempo você ficou parado ?
- A metade do ano fiquei fora, só em tratamento e recuperação física para poder jogar. Atuei umas dez partidas, mais ou menos e o time acabou campeão do Quarto Centenário, já em 1965. Não era um grande time, timaço, mas tinha Almir e Silva em grande fase. Eles resolviam os jogos, estavam afinadinhos, jogando muito. Poucas vezes vi uma dupla tão entrosada como aquela. Tinha um meio de campo excepcional com Carlinhos e Nelsinho, Paulo Henrique agora titular absoluto, jogando muito, capitão do time, Osvaldo "Ponte Aérea", Ditão, Jaime Valente, não me lembro de todos.
NOTA: O Flamengo perdeu para o Botafogo por 1x0 (19-12-65), mas foi campeão. Time: Valdomiro, Murilo, Ditão, Jaime Valente e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Neves, Almir, Silva e Rodrigues. Técnico: Armando Renganeschi.
IATA - A recuperação foi boa?
- Não, foi um ano muito complicado. Joguei pouco, umas dez vezes, como já falei, sempre recuperando de lesões. Era titular, mas não estava sempre em campo. Eu precisava atuar, visando uma vaga na seleção para 1966, na Inglaterra. João Saldanha se empolgou com algumas partidas que fiz e disse que o time seria eu e mais dez. Dando-me força, claro. Chegou a falar isso comigo. Eu estava no melhor momento tecnicamente, mas fisicamente não conseguia render bem. Vivia no departamento médico.
IATA - Aconteceu então a segunda contusão seria!
- Tive que fazer uma cirurgia na coxa, para recuperar um músculo. Levei oitenta pontos internos e externos para tentar acabar com as constantes lesões musculares. Foi uma operação muito complicada que me tomou muito tempo. Era tudo muito difícil para todo mundo, mas para mim parecia pior, que fase.
IATA - Jogo com o Bangú a entrada fatal!
- Comecei 1966 jogando, aparentemente recuperado, titular absoluto, olho na camisa 7 da seleção brasileira, que se preparava para a copa do mundo da Inglaterra. Fiz um bom campeonato, tudo corria bem até a decisão com o Bangu, quando sofri aquela entrada no joelho e não me recuperei mais. Fiz três operações, mas nenhuma deu certo. Foi uma entrada violenta do Ari Clemente, que me tirou do jogo aos 10 minutos. Não podia substituir naquela época e fiquei pela ponta fazendo número. Nelsinho também se machucou e eu nem podia por o pé no chão, de tanta dor. O Flamengo terminou o jogo com nove jogadores.
IATA - Final de carreira
- Fiquei três anos operando, tentando recuperar, fazendo tratamento, mas nada de bola. Encerrei a carreira com 24 anos, praticamente, pois fiquei três anos sem jogar, na esperança de voltar a entrar em campo. Se fosse hoje eu voltaria, tenho certeza disso, mas as coisas eram muito difíceis para os jogadores. Os clubes tinham poucos recursos, não havia a fisioterapia, que diminuiu o tempo de recuperação em mais de um mês, em alguns casos. Fiz três cirurgias no joelho e em 1968 parei oficialmente, com a rescisão do contrato pelo Flamengo. Eu teria jogado mais uns dez anos, se não fosse aquele jogo com o Bangu.
IATA - Como foi o contato com João Saldanha?
- Saldanha gostava muito do meu futebol, sempre me incentivou, me promoveu muito, por isso eu devo muito a ele. Ele falou comigo, lá na Gávea, durante um treinamento da seleção juvenil, contra o Flamengo e eu barbarizei. Depois do jogo ele me disse que eu estava praticamente convocado, não sei em que se baseava, mas como era o Saldanha, fiquei na esperança de ser chamado. Na verdade eu acredito que seria mesmo, até porque, naquele ano convocaram quatro seleções e acabaram levando o Garrincha sem a mínima condição de jogo. Isso foi em 1964. Mas o destino não quis assim, paciência.
IATA - Fim de linha?
- Tudo caminhava para ser o fim da linha, mas a gente nunca se entrega e fiz mais uma operação no joelho, com o Dr. Paes Barreto, que era médico do Fluminense. Meu pai já havia conseguido meu passe com o Flamengo e o Dr. Barreto fez um contato com o Flavio Costa, seu amigo, que estava no América. Ele acreditava na minha recuperação. Fui treinar naquele campo do Andaraí, onde hoje tem um shopping (Iguatemi), mas o joelho inchava depois de qualquer atividade. Treinava, inchava tratamento, infiltração de cortisona, a mesma rotina anterior. Meu pai procurou outros médicos, curandeiros, rezadeiras, fui parar no Zé Arigó, que, diziam, recuperava qualquer lesão. Nada deu certo.
IATA - Quando você parou de vez?
- Depois de tanto rodar fomos indicados a um médico, não lembro o nome dele, ali na entrada do túnel Rebouças. Diziam que o cara era muito bom, fomos tentar mais uma vez. Depois de algumas radiografias ele me chamou e bateu o martelo: "Carlos Alberto você tem uma artrose progressiva e só pode piorar, não pode mais jogar profissionalmente". Não tinha mais volta. Nem peladas podia jogar mais.
IATA - Futebol só para assistir e torcer pelo Flamengo!
- Lógico Flamengo sempre, a família toda. Mas no geral está muito ruim. Filhos, netos, todo mundo comemora cada gol, cada vitória, mas eles andam um pouco escassos. Vejo muito os campeonatos europeus, a Liga dos Campeões, sempre com grandes partidas, times excelentes, os melhores jogadores do mundo estão lá. Dá gosto ver um Cristiano Ronaldo, Messi, Xavi, Iniesta e tantos outros craques maravilhosos.
IATA - O que você tem visto mais?
- O campeonato espanhol, pra mim o melhor do mundo. Dá gosto ver jogar o Real Madrid, Barcelona, lá é bom, os caras brincam de jogar, fazem aquilo com prazer, jogam muito, dá gosto de ver o futebol deles. Vi o último amistoso da Alemanha e gostei muito. Eles estão novamente com um time muito forte, o que não é novidade. Vai ser duro ganhar deles aqui. Torço pelo Real Madrid, mas admiro muito o Messi, joga muito, está sempre fazendo gols, dois três por jogo, um absurdo. Mas nem pergunte se pode comparar com Pelé, não tem a menor chance. Joguei contra ele algumas vezes, vi de perto. Esqueçam qualquer tipo de comparação. Ele foi o maior de todos, único!
Carlos Alberto, jogador profissional e Iata Anderson, amigos desde os anos 60
Fotos de Iata Anderson - Foto principal arquivo de família de Carlos Alberto
Fonte: IATA ANDERSON